Oskar Metsavaht: "Cuidar do oceano é agir a favor do nosso futuro neste planeta."
Nesta edição de Década do Oceano Conversations, sentámo-nos com Oskar Metsavaht, Embaixador da Boa Vontade da UNESCO, e falámos sobre a sua paixão pelo oceano, a moda sustentável como uma grande ferramenta de sensibilização para a conservação da biodiversidade, a importância da arte para comunicar a ciência, a sua atividade na Década Caiçara, a capacitação digital dos povos indígenas e muito mais. Mergulhe nesta entrevista e descubra as muitas formas incríveis como Oskar e a sua equipa estão a agir no oceano, inspirando iniciativas de ciência cidadã e contribuindo para melhorar a relação da humanidade com o oceano!
1 - Pode falar-nos mais sobre si e como começou a sua ligação ao oceano?
O oceano sempre fez parte da minha vida. O meu avô ensinou-me a importância de respeitar o mar desde muito cedo. Além disso, sou surfista desde os 9 anos de idade. Para mim, o surf não é apenas um desporto, é uma interface biológica, física e artística entre nós - seres humanos - e o oceano. Os meus pais deram-me uma educação muito profunda em matéria de conservação da natureza e de arte. A nossa cultura é uma mistura de minimalismo estónio, inspiração e respeito pela natureza, com um sentido italiano de estética e história da arte. E, claro, a nossa cultura brasileira com a nossa natureza exuberante e a sua biodiversidade. O Brasil vai desde as enormes florestas tropicais até à super grande costa do Oceano Atlântico. Portanto, é uma perspetiva de natureza intensa na minha mente e cultura. Quero que os meus netos, e os deles, tenham a oportunidade de ter a mesma relação com o oceano que eu tenho.
2 - Gostaríamos de saber mais sobre a sua atividade na Década aprovada "Caiçara".
Juntamente com outros filmes de arte que desenvolvi nas minhas imersões artísticas e espirituais na floresta amazónica, agora este lançamento da minha poesia, a curta-metragem "Caiçara", é sobre a nossa relação com o oceano através de um jovem caiçara de uma comunidade de pesca artesanal na costa do Brasil, o seu conhecimento muito significativo que aprendeu com o seu pai que aprendeu com o seu avô e assim por diante durante séculos. Com este filme, tento tocar as pessoas e mostrar como este jovem de uma favela no Brasil tem tanto respeito e consciência sobre o oceano e a sua natureza e como estamos longe da vida oceânica e da sua literacia.
a) Na sua opinião, como é que os conhecimentos tradicionais das comunidades indígenas e locais podem melhorar a nossa relação com a natureza e o oceano?
Acredito que já temos muito conhecimento científico espalhado pelo mundo para compreender a importância e a urgência de mudar a nossa relação com o oceano. Talvez para nos tocar num ponto mais profundo da nossa mentalidade contemporânea precisemos de acender o nosso arquétipo na relação com a natureza. Precisamos de uma outra dimensão de conhecimento proveniente das nossas experiências ancestrais para criar uma sinergia com as nossas tecnologias, de modo a entrar realisticamente nas filosofias económicas sustentáveis da agenda para o século XXI. Nós, sociedade, sabemos muito sobre a natureza mas não nos ligamos a ela, não sabemos fazer parte dela como faziam os nossos ancestrais. E por acaso ainda temos algumas sociedades, comunidades, tribos, que ainda o fazem até hoje. Temos a oportunidade de os ouvir e aprender com eles, de os incluir na nossa sociedade e de fundir os seus conhecimentos com os nossos.
b) O envolvimento das comunidades indígenas e dos detentores de conhecimentos é uma componente fundamental do projeto Década do Oceano. Pode explicar em que consiste o projeto "Recode Pro Aldeia" e o impacto que poderá ter na proteção e recuperação dos ecossistemas e na promoção da literacia digital indígena na Década?
É um projeto para capacitar os jovens indígenas a utilizar as tecnologias digitais para desenvolver novas oportunidades de emprego ou criar as suas próprias empresas. Um instrumento independente para difundir a sua cultura em todo o mundo, também para educar as crianças na sua própria língua e para proteger os seus territórios. A iniciativa também permite a capacitação digital dos povos indígenas para desenvolver soluções, com base nas suas experiências e perspectivas, para manter a floresta em pé e a boa vida nas aldeias e ambientes urbanos. O projeto é destinado à formação em tecnologia (full stack) para indígenas de todo o Brasil, em uma parceria que reúne a Rede Recode, Osklen com o Instituto E, Instituto Alok com o Fundo Ancestrais do Futuro (Welight e Pacto Global ONU - Brasil).
431 jovens indígenas se inscreveram no Recode Pró Aldeia. Eles são moradores de 25 estados brasileiros, representando 109 etnias. Foram selecionados 63 candidatos (63,49% são homens / 34,92% são mulheres). Esse número compreende 39 etnias específicas, principalmente nos estados brasileiros do Amazonas (40%), Pará (8%), Roraima (6,5%), Amapá (6,5%). Serão 540 horas de aulas técnicas e desenvolvimento de habilidades socioemocionais para promover o acesso ao mercado de trabalho e incentivar o empreendedorismo na área tecnológica. O curso tem quatro etapas, incluindo aprendizado teórico e prático, a saber: processo seletivo, bootcamp (fase atual), feira de talentos e contratação.
3 - Como designer de moda, já sabe que aindústria global da moda tem uma enorme pegada no oceano e no planeta. O que é que a inspirou a envolver-se no movimento da moda sustentável?
Tive a grande oportunidade, por viver no Rio de Janeiro, de participar e compreender a mensagem de Maurice Strong na Cimeira das Nações Unidas Rio 92 - para mim, o evento mais importante para nos dar uma orientação para a sustentabilidade do planeta! Eu era um jovem artista e médico que tinha acabado de lançar a minha marca Osklen - na altura, era uma empresa muito pequena de vestuário de exterior, com uma única loja. Mas o seu espírito foi, naturalmente, inspirado pelo meu próprio estilo de vida relacionado com a natureza.
Dois anos mais tarde, fiz a minha primeira visita à Amazónia e tive a oportunidade de ver e compreender a riqueza da sua biodiversidade e culturas ancestrais. Mas também, a sua enorme desflorestação através da exploração mineira, madeireira e de outros recursos. Não podia deixar de me tornar ativista, e a minha plataforma de expressão foi a minha marca. Do meu ponto de vista, a moda é tão protagonista no comportamento da sociedade quanto a arte, o cinema, a dança, a música, a literatura... Através do design transformamos mercadorias naturais e sintéticas em instrumentos úteis, significativos e belos de expressão individual para a sociedade. Criamos empregos, inovação, economia e cultura. Mas até a década de 1990 não sabíamos, como a maioria dos segmentos da economia e da sociedade, como desenvolvê-lo de forma social e ambientalmente sustentável. Então, depois de pesquisar materiais e práticas sustentáveis nessa indústria, vi que não tínhamos ninguém além de Yvon Schouinard, da Patagônia, em 1992, com a reciclagem de poliéster. Depois, em 1998, criei, juntamente com um instituto brasileiro de investigação agrícola, o primeiro projeto de algodão orgânico no país, com um projeto de impacto social através de cooperativas de pequenos agricultores numa zona pobre do nordeste do Brasil.
Hoje já desenvolvemos mais de 100 materiais para a indústria com o INSTITUTO-E, fundação que criamos em 2004. A Osklen e o Instituto-E se tornaram um dos mais reconhecidos laboratórios de sustentabilidade na indústria da moda no Brasil e no mundo. A sustentabilidade está no DNA do meu trabalho como artista, como designer, como empresário e como Embaixador da Boa Vontade da UNESCO para a Sustentabilidade.
a) Que tipo de projectos de ação no oceano através de vestuário ético e amigo do oceano estão a ser desenvolvidos por si e pela sua equipa?
Ao longo dos últimos anos, expandimos nossa linha de roupas feitas de materiais reciclados. Desenvolvido pela Osklen, o AquaOne é o primeiro tecido sustentável especificamente concebido para o surf criado no Brasil. É produzido a partir de PET reciclado pós-consumo, num processo que reduz o consumo de água e energia em comparação com a produção de poliéster virgem. Mais de 450 mil garrafas PET foram retiradas do meio ambiente e recicladas com a produção dos boardshorts AquaOne desde sua criação em 2017. Ao escolher este produto, o nosso consumidor opta não só por reduzir o consumo de água e energia, bem como as emissões de CO2 no seu processo de produção, mas principalmente escolhe uma nova perspetiva de circularidade.
Outro grande projeto que desenvolvemos em conjunto com o Instituto-E e o Janeiro Hotel, são as e-bags produzidas a partir de redes de pesca usadas, recuperadas do meio ambiente e transformadas em novos produtos através de um projeto de inclusão social na Ilha Grande, no litoral sul do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo em que dá um novo significado ao lixo e evita que essas redes de pesca sejam deixadas no mar, o desenvolvimento desses produtos apoia e capacita comunidades locais vulneráveis, gera renda e fortalece a cadeia de suprimentos local.
b) Como podem estes projectos ajudar a compreender e a combater a poluição marinha - Década do Oceano Desafio 1, e a mudar a relação da humanidade com o oceano - Década do Oceano Desafio 10?
A moda pode ser um grande protagonista na mudança de comportamentos da sociedade através de mensagens nas t-shirts, do tema das colecções e campanhas, bem como de novas práticas e materiais na cadeia de abastecimento que sejam sustentáveis para o oceano.
Considerar os espaços aquáticos como motores de inovação e crescimento para um desenvolvimento económico sustentável e rentável é o eixo da economia azul, seguindo o princípio da economia circular, para reconverter os resíduos em materiais eficientes. E é isso que procuramos fazer.
Além da moda, a Osklen tem uma ligação com a cidade que vai além da expressão de um estilo de vida tropical e da valorização da cultura de praia e da natureza. Há 14 anos, o Instituto-E criou o projeto pioneiro "Restinga: Recuperação do Litoral Brasileiro" em parceria com a Osklen. O projeto regenera e preserva a vegetação costeira nativa, bem como sua flora e fauna originais. A iniciativa começou em 2009 através de uma parceria público-privada com a prefeitura do Rio de Janeiro. A Osklen adota anualmente 26 canteiros de restinga ao longo da orla de Ipanema e do Leblon, enquanto o Instituto-E assegura a comunicação adequada com cariocas e turistas, bem como a manutenção diária dessas áreas: replantio de mudas e organização de atividades de conscientização ambiental.
A vegetação de restinga desempenha um importante papel sócio-ambiental, pois contribui para a estabilização das dunas costeiras, serve de habitat para a flora e fauna endémicas, protege a linha de costa da erosão e modera a temperatura ambiente. Funciona como uma barreira protetora durante tempestades e ventos, contribuindo assim para a conservação dos ecossistemas de praia e para o equilíbrio do litoral.
c) Na preparação da Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos de 2022, em Lisboa, Portugal, disse que "as t-shirts são um manifesto". O que quiseste dizer com isso?
Acredito que as t-shirts podem ser utilizadas como um meio de expressar opiniões, interesses, crenças e até como um manifesto pessoal ou político. Representam uma forma de expressão visual e pública, permitindo às pessoas comunicar as suas opiniões, apoiar as suas causas, valores e identidades de uma forma acessível e criativa.
Por isso, para mim, não considero as t-shirts como moda, mas sim como uma página de um livro onde escrevo o espírito do zeitgeist e/ou os temas da sustentabilidade nas áreas cultural, social e ambiental. Mensagens da Agenda 21, da Convenção da Biodiversidade, do Protocolo de Quioto, dos projectos da UNESCO em cultura de Paz e Sustentabilidade, dos Direitos das Terras Indígenas da Amazónia, da ONU Década do Oceano...
4 - Os seus projectos artísticos são uma ferramenta importante para chamar a atenção para o seu trabalho e criar uma ligação com todos os tipos de público. Qual é a sua opinião sobre a importância de utilizar a arte para comunicar a ciência?
O ponto de vista artístico desempenha um papel crucial na comunicação da ciência, tornando-a mais compreensível, envolvente e inspiradora para a sociedade. A arte tem o poder de evocar emoções e criar ligações. Ao incorporar elementos artísticos nas comunicações científicas, os cientistas podem captar a atenção do público e gerar empatia, tornando a informação mais fácil de compreender e reter. A arte é também uma linguagem universal que transcende as barreiras culturais e linguísticas. Isto torna-a uma ferramenta poderosa para chegar a diversos públicos em todo o mundo.
A arte vem do espírito e a ciência da mente. Nunca as posso dissociar, pois sou artista, médico e designer. A arte pode inspirar a ciência e vice-versa, e a filosofia pode uni-las. Depois, gosto de dizer que, como artista, posso tocar o espírito das pessoas e fazê-las refletir sobre um assunto, por exemplo, como no meu filme "Caicara". Como designer, posso transformar recursos naturais em peças bonitas e úteis para a sociedade e, como orador e Embaixador da Boa Vontade da UNESCO, posso partilhar com os outros as minhas experiências.
a) Tem algum fotógrafo/livro para recomendar?
Não sugiro um fotógrafo em particular, mas gosto da edição de grandes fotógrafos da "Oceanographic Magazine". E sobre livros, os seguintes:
- "Jacques Cousteau: O Mundo dos Oceanos"
- "Jonathan Livingston Seagull" de Richard Bach
- "Ocean - a Global Odyssey" de Sylvia A. Earle
b) Para os nossos leitores mais jovens: Qual é o teu animal marinho preferido?
Como surfista, diria que são os golfinhos. Como artista, as medusas iridescentes das profundezas do oceano.
5 - Quais são os seus próximos planos em termos de sensibilização, literacia dos oceanos, viagens e muito mais em 2024?
A partir da parceria entre o Instituto-E, a UNESCO e as Confederações Brasileiras de Surf e Vela, queremos promover o engajamento da sociedade através do desenvolvimento de soluções práticas com impacto positivo no ecossistema oceânico. Nosso objetivo é promover a cultura oceânica no Brasil para as novas gerações e conscientizar sobre a importância de proteger o meio ambiente, criando ações efetivas para a preservação da costa. A meta é levar a alfabetização oceânica para as escolas públicas e privadas do Brasil, trabalhando em conjunto com o governo.
6 - O que é que gostaria de alcançar até ao final da ONU Década do Oceano em 2030? Tem alguma mensagem para partilhar com a comunidade Década do Oceano ?
Estou otimista em relação ao nosso futuro, acredito que a nossa geração está a trabalhar para melhorar a relação da humanidade com o oceano de forma romântica, poética, filosófica, científica, económica e sustentável. Ao mesmo tempo, estamos a trabalhar para acabar com a poluição plástica e química e com a sobrepesca industrial. Estamos a desenvolver novas metodologias para novos tipos de bioplásticos, educação para a redução do consumo excessivo do oceano, biotecnologias para criar carne de peixe em laboratório, mudança de biofósseis para energias alternativas, novos tipos de navios no oceano a partir de energia sustentável.
Mas não estou otimista quanto à consecução da maioria dos objectivos até 2030. É altura de agir. Precisamos de uma R(E)VOLUÇÃO. O "E" é de Terra, Energia, Educação, Ambiente, Empoderamento e Economia.
A ONU Década do Oceano é uma oportunidade crítica para abordar questões urgentes relacionadas com o oceano e garantir a sua saúde e sustentabilidade para as gerações futuras. O sucesso desta iniciativa depende da colaboração global e do compromisso de governos, organizações, cientistas e indivíduos de todo o mundo. O movimento "Oceanos" - por meio de nossa parceria com a UNESCO e as Confederações Brasileiras de Surf e Vela - visa estimular o conhecimento e a pesquisa científica sobre o oceano para melhorar nossa compreensão dos ecossistemas marinhos e das mudanças climáticas no Brasil.
Como Embaixadora da Boa Vontade da UNESCO, meu maior desejo é poder inspirar através dos meus projetos e fomentar a cooperação internacional e parcerias para enfrentar os desafios dos oceanos em maior escala, gerando impacto positivo para o Brasil e o mundo. Cuidar do oceano é agir em prol do nosso futuro neste planeta. Eu realmente acredito que temos esse poder de mudança no Brasil.